Nos últimos anos, percebi uma mudança interessante no debate público: um crescimento no número de pessoas que se identificam como esquerda radical ou direita liberal após a ascensão de organizações políticas fazendo trabalho de massas na internet (não vou citar nomes para isso não virar discussão nós contra eles, até pq vai contra a regra do sub).
Plataformas como YouTube, Instagram e TikTok estão repletas de militantes e criadores de conteúdo político que divulgam suas análises com uma poderosa persuasão. A didática e a autoridade oriunda de uma boa formação acadêmica ou de uma oratória fantástica conquistam audiências massivas. Isso me levou a um questionamento: quantos desses seguidores, que comentam e repetem os discursos prontos, de fato já leram ao menos um livro dos principais autores das teorias que defendem?
Já me peguei nessa armadilha. Em conversas informais, reproduzi frases inteiras, com os mesmos jargões, que havia escutado em vídeos de webmilitantes. Acreditava que a formação acadêmica do criador e a clareza da explicação eram garantia suficiente. Comecei, então, a questionar essa tal "autoridade no assunto". As ciências humanas são, por natureza, um campo de interpretações subjetivas. O que me assegura que a síntese apresentada em um vídeo de 20 minutos não é uma versão distorcida, enviesada ou simplista de uma teoria complexa?
O ritmo de produção nas redes sociais é frenético. Seja um reacter ou um professor, a pressão por conteúdo novo e constante é uma prisão. Como conciliar quantidade com qualidade? É ingênuo achar que a profundidade da pesquisa e o rigor da interpretação nesses conteúdos políticos da internet não são sacrificados nessa corrida.
Diante disso, vale a pena adotar de forma tão dogmática as visões políticas propagadas por esses webmilitantes? Cheguei à conclusão de que não.
Mas então, qual é a alternativa? Voltar ao cenário de 20 anos atrás, quando a política era um tema quase tabu, resumido a um desprezo generalizado por todos os políticos e evitado nos churrascos de família? Seria menos caótico, talvez, mas ainda assim um retrocesso.
Penso que há um caminho mais sólido para compreender a história e desenvolver uma lente crítica sobre os eventos do presente: os livros.
Um autor não escreve um livro da noite para o dia. É um processo lento, que demanda concentração, pesquisa meticulosa e revisão constante. Um trabalho quase artesanal. Duvido que, nesse meio, o rigor com o conteúdo não seja infinitamente maior. Qualquer um pode fazer um post no Instagram; um livro, não. No universo literário, essa a frequência de publicação constante não se aplica.
Portanto, o desafio não está em rejeitar por completo as discussões políticas que emergem das redes sociais, até pq elas são sintomáticas de um anseio por compreensão e pertencimento. O desafio está em equilibrar o acesso rápido a ideias com a autonomia de fazer as próprias leituras. As redes podem ser a porta de entrada, o gatilho da curiosidade, mas não devem ser o destino final do pensamento. As fontes primárias estão disponíveis, mas nem sempre acessíveis (e já repararam que não existe uma iniciativa por parte dos webmilitantes de tornar esse conteúdo original vastamente acessível?). Mas quem tiver esse acesso, na minha opinião, deveria aproveitar.
Bora falar sobre isso.
E por favor, isso não é sobre qual ideologia é a certa. O que eu quero discutir aqui é como entender qual é a certa, seja ela qual for.
Sou professor de História, e passei boa parte da minha fase de jovem adulto imerso num mundo de militância acadêmica das esquerdas. Desde extrema esquerda até esquerda tradicional travestida de centro-moderada. Quando fui para o mercado de trabalho de forma pesada (dar aulas, receber pouco, morar mal, faltar dinheiro, ter burnout) lembrei dessa fase dourada da minha vida. Onde bastava falar que o mundo tinha saídas. Hoje sei que boa parte do que preguei era conveniente, a vida real cobra mais. Ter dinheiro é excelente. Viajar todo ano e ter reserva financeira é ótimo. Saber investir e criar patrimônio é sonho de poucos, mas muito bom quando você começa. Nunca mais me envolvi diretamente com militância nenhuma. Ainda defendo as pautas da esquerda, defendo direitos trabalhistas, não emburreci. Mas não sou mais militante de bar e internet. Ensino os fundamentos, e milito pelo meu conforto. Pelos meus privilégios. Vejo muitos colegas ainda presos em utopias, e alunos adolescentes presos na fala verborrágica dos influenciadores digitais, mas não vejo nenhum deles ainda caindo na realidade. Tendo problemas para sobreviver como eu tive. Passando perrengue mesmo e se reconhecendo depois disso como mais uma pessoa dentro da máquina de moer gente. Quem defende neoliberalismo hoje ou é rico ou inocente. Quem defende socialismo hoje ou tem planos de viver bem na China ou é inocente. Acho que encontrei o meio termo disso. Vivo no capitalismo, luto por mim e pelos meus, e quando questionado, explico que as saídas para quem não é herdeiro é focar no seu caminho sem derrubar os outros.
vc tocou num ponto crucial: militância acadêmica. o modo de vida que vc adotou pra si é o mesmo que a periferia adota: fazer o seu corre todos os dias e pronto. o academicismo passa longe. eu sou jovem, não vivi os anos 80, mas pelo que os meus avós falam, o sindicalismo no ABC foi um movimento de massas que deu certo, no sentido de ter boa aderência. deu certo porque nasceu nas fábricas. não houve um movimento de não-metalúrgicos convencendo metalúrgicos sobre o que deveria ser feito.
a distância socio-econômica faz diferença. vc pode ser extremamente bem intencionado, mas se a sua aparência, a sua linguagem e a sua classe social não forem as mesmas do seu suposto público alvo, esquece.
Vocês dois falaram justamente os pontos que eu sempre percebi sobre o conceito de militância, que puta conversa boa!
Independente do espectro político ou do conjuntos de ideais que a gente defende. A meu ver, a luta por ideais começa a descarrilhar quando se para de observar a sociedade e cada uma de nossas vidas operam, com seus privilégios e obrigações, e começa a se flertar demais com ideias teóricas que não tiveram nenhum pingo de respaldo e que ficam unicamente no âmbito das suposições.
E esse tipo de atitude faz invariavelmente as pessoas querem agir em cima do teórico e do subjetivo em si, e isso é um grande erro. Se você ver o direitista mais linha-dura e o esquerdista mais desconstruído, verá que ambos têm uma fixação bizarra em "caçar os demônios teóricos" que prometem arrumar nossos problemas pela raiz. Mas é aquilo: teoria não põe comida na mesa, nem paga boleto, muito menos sacia nossas necessidades existenciais mais imediatas. E não, criticar tais necessidades por serem, de fato, imediatas também não ajuda.
Aí não da para dizer que essa ojeriza veio do nada.
eu acredito muito que a prática molda a teoria, e não o contrário.
me preocupa ver militantes fundamentarem as suas ideias em teorias européias, sem se preocupar em adaptá-las para o contexto brasileiro.
É a minha principal critica com a esquerda Brasileira... os caras importam tudo e azar o contexto.
Pauta racial é o melhor exemplo, pegam umas coisas dos EUA, que é segregado desde sempre, que não faz o mínimo sentido no contexto do Brasil que é extremamente miscigenado, como é o caso de militar "contra a palmitagem".
Se tiver 10% da população que é "raça pura" é muito, e os caras vem com essa ideia de "não pode misturar as etinias".... já está misturado krl, não faz mais diferença nenhuma.
Bom, a direita faz exatamente a mesma coisa.
vide o protestantismo que vem crescendo cada vez mais por aqui. já tem até church ao invés de igreja.
E eu disse que não faziam? Eu disse que é minha critica para a esquerda, não falei nada de que a direita não faz isso tb.
E a minha critica é justamente porque é algo que afasta as pessoas da esquerda. A pauta pode ser linda, mas no momento em que aponta o dedo para alguém, essa pessoa não vai aderir de jeito algum.
Acha mesmo que casais interraciais vão querer ser de esquerda com pessoal falando que é errado eles se relacionarem??
E olha que nem de esquerda sou, mas consigo identificar esse problema dentro da esquerda.
discussão de pauta identitária vem acompanhada de uma carga de emoção, as vezes. pessoas que precisam reforçar o seu valor (que foi destruído com os traumas) podem encontrar maneiras de fazer isso sem se importar tanto com a lógica e acabam esquecendo que a pauta é de um grupo e não delas mesmas. eu tenho uma opinião sobre as pautas identitárias, mas isso daria um texto. em resumo, são importantes tão quanto pautas econômicas, mas precisa haver um cuidado para não virar consultório de psicologia sem psicólogo.
O que você descreveu é o conceito de falácia do apelo a emoção.
E tem MUITO isso hoje em todo discurso politico, independente do lado.
Mesmo que justificado a carga emocional, isso acaba por cegar a racionalidade da pessoa, é daqui tb que vem os "elogios" ao coleguinha só porque discorda da sua opinião.
Isso é meio triste.
A uma ideia de que isso é triste, mas dar espaços aos jovens levar isso a frente é muito relevante, algo que eu não acho certo é o afastamento, acho que apenas a não intromissão ja se torna o suficiente.
Meu nobre, que relato perfeito. Eu me identifico também.
Sou contador e advogado, mas quando mais novo (agora já quarentei) era mais radical e depois vi como ter dinheiro é bom e resolve as coisas. Poder comprar um imóvel, ter uma reserva, viajar todo ano, ter plano de saúde, seguro de vida, ir no mercado sem precisar olhar os preços de nada, poder ter oito canais de streaming, gastar com roupa de cama e toalhas decentes, poder pagar plano de saúde pros cachorros, etc.
Me considero de esquerda, mas defendo as pautas de maneira pragmática: as coisas não funcionam no grito e no goela abaixo como antes eu achava. E minha vida só começou a mudar quando eu entendi que dependia muito, mas muito mais de mim do que do meu ambiente social.
essa é a chave, parabéns !
O que vc acha do anarcocapitalismo?
Mais um termo criado ao léu sem entender o que é anarquismo. Capitalismo é um sistema hierárquico. Não existe estado nem hierarquia no anarquismo. Esse termo não tem base nem para existir na lógica da linguística. Mas quem é da extrema direita gosta de criar coisas sem fundamentos, então pra essa turma vale tudo.
Mas eu acho que se encaixaria na proposta,pois segundo os ancaps mesmo com a extinção do estado em si,a sociedade seria regida por leis privadas,meio que eles "pegaram emprestado" o termo anarquia,mas é minha opinião sobre isso.
Fica à vontade. Opinião todo mundo tem.
Nunca vi um ancap defender o anarcocapitalismo por 10 minutos sem sugerir a criação do Estado, mas sem chamar de Estado. É um negócio muito raso, só cola com adolescente mesmo.
Eu tenho 40 anos e vivi minha infância e começo da adolescência na década de 90. Quando mais novo, gastei muito tempo discutindo e defendendo lados políticos na web. Mas assim, isso foi lá em 2005 no Orkut, ou antes ainda em fóruns na internet, blogs ou mesmo no chat do Uol.
Só que não existia uma produção massiva de conteúdo. O que eu defendia, era (pro bem e pro mal) o que eu sabia ou achava que sabia, baseado no que eu tinha aprendido e lido. Idem pro outro lado.
A gente não debatia em cima de algo produzido para viralizar, era com base em visões de mundo mesmo. Era quase conversas de boteco, mas online. Tinha hora que você era vencido e não tinha um vídeo pronto ali pra mandar pro outro lado. Você aceitava que tinha sido pego numa contradição e iria repensar, reavaliar e tentar consigo mesmo se tornar coerente.
Hoje a todo momento tudo ocorre. É impossível um diálogo honesto tendo como base conhecimento vindo de redes sociais.
nessa época eu era criança, mas eu me lembro que as pessoas concordavam mais umas com as outras. concordavam com ressalvas, mas as conversas eram muito mais pacificas. não existia esse ego que tem hj. hj todo mundo é analista político e discordar das palavras do analista é uma afronta.
Puta merda, que saudade dessa época viu.
Hoje o que mais tem na internet são adolescentes com acesso ao google e ao chatgpt achando que tem condições de discutir com mestres e doutores só porque eles conseguem pescar recortes prontos de determinados temas, e aí eles obviamente erram feio, mas como não tem conhecimento suficiente pra saber que erraram, nenhuma discussão vai pra lugar nenhum.
Como tudo mais em 2025, virou um negócio meramente performático.
Quem diria que o caminho pro conhecimento é estudar? O que tu faz é simples: vá no site de várias faculdades diferentes, procure onde fica o plano de curso de ciências políticas ou cursos similares. Daí vc vai nas matérias de introdução (introdução a economia, introdução a ciência política, etc) e vê a bibliografia deles.
Após fazer essa leitura introdutória, vc vai ter uma visão crítica bem diferente, sendo capaz de diferenciar o que faz ou não sentido pra vc dentro das várias falas políticas por aí.
Pois é, né?! É algo obvio, mas nem sempre o óbvio é óbvio pra maioria das pessoas.
Não acho que é viável. Fiz uma pesquisa rápida aqui: o livro usado na disciplina Introdução à Economia do curso de Ciências Econômicas da USP é o Introdução à Economia do Paul Krugman. É um livro de 1000 páginas que custa 400 conto. Imagina esse ser um dos vários livros que vc pretende ler? Sem condição tankar esse custo e esse tanto de conteúdo sendo apenas um cidadão comum. Quando eu falo sobre livros, a ideia não é ter um conhecimento detalhado. Livros que te tiram do nível zero de conhecimento e te entregam um resumo bem feito já fazem uma boa diferença no teu repertório.
O preço é irrelevante, vc acha o pdf com uma busca bem rápida no Google. E outro ponto, sabendo a bibliografia dos cursos, vc pode pesquisar algum livro que seja menor e menos denso. Daí é um trabalho de ir atrás das credencias de quem escreveu o livro base.
Por exemplo, eu estou lendo Paraíso Perdido (um livro que é um grande poema, do John Milton, do século 17). Como é um inglês mais arcaico, eu fui atrás de um guia. Achei um do C.S. Lewis que funciona como uma introdução. E as credenciais do Lewis são impecáveis quando o assunto é literatura, então não é foi tempo perdido ler essa introdução dele. Isso pode ser feito pra outras áreas também.
PDF é uma saída, desde que seja lido num kindle. No celular ou no PC a chance de ter distrações é grande, pelo menos pra mim.
Talvez vc já tenha o hábito de leitura, então ler um livro difícil não é um desafio tão grande comparado a uma pessoa que não tem esse hábito. E a maioria dos brasileiros não tem, eu me incluo nisso.
Eu também me via fazendo as vezes de web militância anos atrás, mas desde de 2022 entendi melhor como funciona o jogo. Ou seja, de nada vai adiantar meu voto, argumentos, militância, sendo que as eleições são decididas com base na manipulação das massas orquestrado por uma elite política/financeira que sempre elege o lado que mais o favorece. Já percebeu como independente de presidente o país fica preso a um sistema disfuncional que só atrasa a competitividade do país favorecendo o rentismo com juros altos? Pois é, moldaram a constituição de 88 pra servir essa gente a bel prazer, sempre os mesmo favorecendo os mesmos grupos, institucionalidade desequilibrada e manipulada e por aí vai.
De 2022 pra cá, não perco mais meu tempo com política. Sei que quem manda no jogo vai se valer do caos criado aqui nesse eterno produtor de commodities pra lucra em cima da miséria alheia. Enquanto os idiotas úteis ficam se digladiando sendo tietes de "ídolos carismáticos".
no liberalismo e no social-liberalismo é isso aí mesmo, visto que ambos não visam ruptura institucional. uma ala da social-democracia até flerta com uma ruptura, como aconteceu em 1930 com o Getúlio, mas essa galera é uma fração da centro-esquerda. no geral, todo o centro só fica nessa discussão sobre quem colocar no poder na próxima eleição mesmo e não debatem sobre a estrutura que sustenta essa democracia fajuta.
Antigamente pessoas sem conhecimento que saiam disparando teorias e ideologias por aí eram chamadas de loucas. Hoje as mesmas são "influenciadoras" e atraem mais pessoas sem conhecimento para ser seus fãs. O pior é a maneira como eles distorcem fatos históricos e manipulam isso para o lado deles. Exemplo: Ian Neves.
esse é um que eu quase caí na lábia. mas o cara é tão arrogante e prepotente, que logo estranhei. poderia fala sobre as distorções que ele faz?
Por exemplo, ele afirmou que na Coreia do Norte podia dobrar no meio o jornal com a foto do líder, sendo que Isso é uma proibição está nas regras. Ele disse que lá os líderes não são ricos, eles têm acesso a coisas que a população não tem. Ian Neves afirmou que na Coreia do Norte possui eleição democrática.
Vc é o tipo de pessoa que mesmo quando não concordo, dou meus parabéns, porque está raro hoje em dia. A maioria independente de lado, apenas replica o que o influencer favorito disse sem nem pensar no que está falando.
Um ótimo exemplo é que a galera critica direto os redpill, até ai tudo bem, mas o problema é que nenhum se quer parou para ir conferir o conteúdo redpill para ver se o que o influencer disso é realmente verdade.
Meu orientador do mestrado me ensinou a nunca acreditar em ninguém, nem ele mesmo, que em vez disso eu deveria estudar e tirar minha própria conclusão. E isso vale ouro.
É insano, chegou em um ponto onde fazer parte do grupinho é mais importante do que ter senso critico e formar a própria opinião.
Hoje mesmo fui criticado por que disse que acompanhei por um tempo os dois lados antes de tomar um partido e por me considerar centrista ao em vez de esquerda ou de direita. Politica virou a nova religião, onde deve-se seguir fielmente e questionar o próprio lado virou pecado.
OP claramente de direita 😂
sabe de nada inocente kkkkk essa vc tirou do seu cu
Na verdade, não são organizações políticas, mas empresas de comunicação empresarial que prestam serviços a essas organizações.
Vou deixar um exemplo aqui:
A Pública: A máquina oculta de propaganda do iFood
Como agências de publicidade a serviço do app de delivery criaram perfis falsos em redes sociais e infiltraram agente em manifestação para desmobilizar movimento de entregadores
A reportagem fala de uma empresa específica, entretanto os partidos políticos sempre utilizam essas táticas.