• O quadro inteiro funciona assim: pega comportamentos básicos de sociabilidade humana ou exigências operacionais do trabalho e os transforma em atributos morais do indivíduo, sempre exigidos para baixo, nunca cobrados estruturalmente para cima.

    Comunicação: escuta ativa é condição elementar de qualquer interação humana. Não é skill profissional, é pré-requisito civilizatório. Quando acrescentam "demonstre compreensão", já estão exigindo trabalho emocional contínuo do trabalhador, inclusive diante de decisões que ele não controla. E comunicação só é desejada de quem não fere egos.

    Solução de problemas: decompor problemas não é pró-atividade, é método básico de qualquer tarefa não trivial. Chamar isso de soft skill é empobrecimento conceitual.

    Trabalho em equipe: colaborar e compartilhar crédito aparece como dever individual, mas nunca como obrigação da chefia ou da empresa. A assimetria é reveladora pq só o trabalhador precisa ser colaborativo. E é mais uma coisa básica de qualquer tarefa não trivial que envolva mais de uma pessoa.

    Melhoria contínua: refletir e buscar feedback vira exigência permanente de autoavaliação. O sistema nunca se avalia. A falha é sempre individualizada.

    Entendimento de emoções: aqui a coisa fica explícita. Exigem trabalho emocional e cuidado psicológico informal sem limite. Agora o desenvolvedor tem que ser psicólogo dos outros também, além de frontend, DBA, SecDevOps, QA, tech lead e scrum master.

    Ética: entregar qualidade não é ética, é desempenho técnico. Ética envolveria dilemas, conflitos de interesse, responsabilidade social. A confusão não é inocente: reduz ética a produtividade.

    Grit: coping e positividade são o nome bonito para adaptação passiva a condições ruins. Resiliência sem transformação é submissão funcional.

    Profissionalismo: aparecer todo dia e cumprir prazos já está contido em qualquer definição mínima de trabalho assalariado. Colocar isso como virtude revela que o esperado é obediência irrestrita, não autonomia.

    Pensamento crítico: avaliar múltiplas fontes é só técnica informacional. Pensamento crítico envolve análise de poder, contradição, interesse. O esvaziamento é deliberado.

    Integridade: honestidade e consistência são novamente requisitos básicos de convivência humana. Quando precisam ser listados, é porque o sistema não os pratica estruturalmente.

    Resolução de conflitos: transferem para o desenvolvedor um papel que é de gestão. Conflito em projeto é problema organizacional, não falha interpessoal isolada.

    Simpatia: aqui fecha o ciclo. Além de produzir, colaborar, absorver falhas e gerir conflitos, o trabalhador ainda deve garantir conforto emocional alheio. É trabalho afetivo não reconhecido.

    Enfim, o quadro inteiro não descreve habilidades. Ele descreve expectativas de conformidade, absorção de custo sistêmico e trabalho emocional gratuito, tudo embalado como virtude pessoal.

    O discurso de soft skills é muito útil pros RHs pq cria um arsenal semântico para demitir sem nunca nomear o motivo real. Ninguém é demitido por contrariar um gerente, expor erro de gestão ou recusar trabalho extra não combinado. Isso geraria risco jurídico. Então o motivo vira outro, sempre vago, sempre incontestável.

    Não foi insubordinação. Foi problema de comunicação.

    Não foi crítica legítima. Foi postura inadequada.

    Não foi defesa técnica. Foi dificuldade de trabalho em equipe.

    E assim por diante...

    Esses rótulos são ideais porque não são mensuráveis, não são falsificáveis e não deixam prova material. Funcionam como cláusula coringa. Quando alguém fere ego, ameaça hierarquia ou rompe o consenso performático, o RH já tem o vocabulário pronto para enquadrar e excluir.

    E repare no detalhe central, que essas categorias só operam para baixo. Chefia que humilha não tem problema de comunicação. Gestão caótica não tem falha de organização. Cliente despreparado não tem déficit de entendimento. Tudo isso é naturalizado. O desvio só existe quando vem do trabalhador.

    Soft skills teoricamente são maravilhosos. Na prática é só um mecanismo disciplinar elegante, juridicamente seguro e moralmente invertido.

  • Soft skill é a cabeça da minha tchola

    O que esse povo quer tá soft

  • Perfeito o seu comentário mais acima OP.

    Esse lixo de Soft Skills é horóscopo corporativo, zero ciência nessa merda é só baboseira por isso é o tipo de coisa que se adapta muito bem com quem acredita em constelação familiar, inclusive já vi aplicarem essa excrescência em dinâmicas de empresas.

    No fim é tudo parte do ferramental pra controlar corpos e mentes sem fazer uso de instituições pra isso, mas colocar a pessoa sobre auto vigilância pra virar um sujeito do desempenho, e se não se adaptar só jogar a culpa no indivíduo

    Edit: inclusive olha as fontes que eles botam nas imagens, chega a ser patético kkkkk

    As fontes são reveladoras! "Então tem que citar livro?! Tese?!" começam a se coçar