Trabalhei quase 10 anos num lugar que tinha tudo pra ser legal, mas era só ilusão: salário mixuruca, benefícios ínfimos e um ambiente humano absolutamente tóxico.

Contexto: rede de bibliotecas públicas terceirizadas de uma grande capital. Sim, cultura. Sim, biblioteca. Agora senta que piora.

Salário (o meu): R$ 2.500

Vale-refeição: R$ 36 por dia

Plano de saúde: só foi aparecer uns dois anos atrás, depois de muita pressão.

Pré-requisito: ensino superior em Letras, Teatro ou áreas humanas correlatas. Tivemos mestres e doutores trabalhando lá — pra um trabalho sem qualquer progressão de carreira, sem estímulo e sem perspectiva. Promoção? Não existe. Banco de horas? Consta no acordo sindical, mas não é autorizado na prática.

Estrutura de cada biblioteca: 1 estagiário de ensino superior (30h semanais, uns 700 reais de salário)

1 analista administrativo (44h semanais) ganhando cerca de R$ 1.800 limpos

1 mediador de leitura (44h semanais) ganhando R$ 2.300 limpos, que é basicamente um fodido oficial: vai e volta de ônibus, roda escolas, ONGs e outras instituições públicas fazendo mediação literária sem seguro de vida, sem material e sem respaldo nenhum. Se te assaltarem indo atender uma comunidade? Problema teu.

“Chefes”: dois servidores públicos e um gestor terceirizado, todos de mãos atadas.

Ninguém capta recurso, ninguém planeja nada, não existe nem o mínimo do mínimo (tipo política de aquisição de acervo).

Os poucos funcionários antigos que restaram são, em sua maioria, medíocres que aprenderam a sobreviver no pântano. Se reúnem em rodinhas depois das reuniões pra falar mal de quem se destaca ou de quem acabou de chegar.

O irônico (e trágico): 99,9% da equipe é formada por minorias, mas isso não significa que sejam pessoas melhores. O que rola ali é fofoca pesada, assédio moral, bullying velado (e às vezes nem tanto), perseguição passivo-agressiva e uma cultura de sabotagem constante.

É doloroso, triste e revoltante ver o sucateamento da cultura desse jeito.

  • Percebi que, depois de quase 15 frequentando ambientes que envolvem artes e humanidades, a maior parte das pessoas não são muito legais. O ego é insuportável e aquela atitude de “sentir, desprender-se e libertar-se” só serve se for do jeito deles. Julgam até suas roupas, haha

    Quanto aos pré-requisitos (como graduação em Letras), acho que alguém só trabalharia numa biblioteca pública terceirizada por PURO desespero. Com o leque infinito de opções que a graduação oferece, acho que existem caminhos melhores. Nem vou comentar sobre o escândalo que é ter mestres e doutores trabalhando aí, meu deus.

    Falta de incentivo à cultura é isso né, pouco subsídio -> pouca organização -> pouca valorização do trabalhador.

  • É isso. Compartilhando minha experiência na área cultural: trabalhei por um tempo em um museu nacional. Na premissa: tudo lindo, disruptuvo e acolhedor. Na prática: assédio moral, trabalho precarizado e ausência de gestão. Peguei trauma e fico angustiada só de pensar em voltar para esse meio.

    Através do museu, acabei descobrindo (por meio das pontes entre instituições estaduais/municipais), que todas as outras do segmento eram praticamente iguais em funcionamento: casas de teatro, salas de cinema, produtoras de eventos e mídias, bibliotecas, espaços de cultura...

    Na minha experiência, percebi que todos os meus dias eu teria que pisar em ovos, já que tudo que envolve arte e cultura é conduzido por pessoas extremamente egocêntricas e arrogantes. Disputas e demonstrações de poder, disputas de identidade, muito ressentimento e pouco profissionalismo. Onde trabalhei era um agente administrativo para gerir todas as frentes, um coordenador "faz tudo" e do restante, estagiários de ensino superior. Ou seja, nada dava certo e todo acontecimento era um completo caos. Recusos para essa área são sempre escassos e as instituições operam no limite do impossível, logo é previsto que NUNCA terão uma operação profissional. Para quem insiste em ficar: salário baixo (quando não atrasa); poucos ou escassos benefícios; escala de trabalho 24h/7dias; e ausencia total de plano de carreira (depende do quão bem relacionado você é, e da sorte dos detendores de sobrenome irem com a sua cara.)

    Trabalhar com cultura não é recompensador, não é glamuroso, tampouco "tranquilo". São trabalhos, quase sempre, exautivos e estagnados, independente da sua formação (isso dificilmente importa). Eu entendo que no segmento corporativo há como apontar casos semelhantes. Porém em empresas, a gestão organizacional é um processo bem mais consolidado (pode variar o nível, mas é certo de que terá algum grau de organização), algo que no ramo cultural não se encontra com facilidade.

  • Qualquer cargo que envolve cultura e humanas é repleto da pior escória possível que adora de se passar e mostrar o quão angélicais são mas na prática são câncer puro

  • Ter uma biblioteca pública próxima a minha casa na periferia durante a adolescência fez uma diferença enorme na minha vida, eu passava as férias inteiras lendo por conta disso, é uma m3rda pensar o quanto funcionários de um serviço tão essencial recebem mal e que é um ambiente horrível de trabalhar

  • Damn eu me mataria pra trabalhar em um lugar assim. Gosto muito do ramo editorial, mas toda livraria que se tem o trabalho é 6x1 por um salário que, no máximo, é 2k. Sou trans e por mais que tenha um monte de b.o.,, seria legal que esses b.o.s sejam com minorias e não as paradas bizarras que ando enfrentando pra conseguir comer. Se houver vaga eu tenho interesse.

    Meu namorado é formado em letras em uma das melhores universidades do país e também tá em um 6x1, a gente tá basicamente assombrado por essa merda.

    Tô pra te dizer que assédio moral e preconceitos no geral da turma de Humanas chega a ser pior que dos "padrões". Primeiro porque dos "padrões" a gente já espera. Segundo porque as minorias, algumas vezes, se valem do "lugar de fala".  É um terror, em ambos os lugares. Mas dói mais de pessoas minorizadas, pelo menos pra mim. 

    Eu sei, já trabalhei no meio da glr minoritária e recebi o maior assédio trabalhista que já tive. Mas sempre consigo responder melhor à agressão, quando vem de um lugar que já n]ao sou ao menos bem vinda me sinto insegura de me proteger.

    Gostaria de acrescentar que trabalhar em livraria com o intuito de ingressar no ramo editorial não é uma boa não. Não te abre porta nenhuma, você é só um funcionário 6x1 sem voz e oportunidade de crescer. Procure opções melhores de ingresso.

    I know, mas é o que teve kk, no ramo mesmo só consegui ser auxiliar de vendas em eventos/lançamentos das editoras (o que é bem dhr, mas n cresceu muito além disso). Não é como se tivesse muitas opções de ingresso, nem como se eu não tivesse procurado, às vezes a gente faz escolhas pra conseguir pagar o aluguel.

  • Ja trabalhei com teatro. Sinceramente, NUNCA MAIS me envolvo com arte nesse país. E antes fosse por falta de apoio. Ambiente falso ao extremo, alem de ter bastante panelinha. Entrar nesse meio ate que é facil, mas entrar pra fazer arte na TV, esquece, isso aí tem que ter costas bem quente, no mesmo nivel do jornalismo.